Introdução
O presente artigo foi elaborado sob a orientação do Professor Doutor Damião da Cunha, no contexto da avaliação ao Módulo de Direito Penal, Seminário “Direito dos Negócios em Contexto Global”, que integra o Plano Curricular do Curso de Doutoramento em Direito, ministrado pela Faculdade de Direito da Escola do Porto da Universidade Católica Portuguesa, no ano letivo de 2016/2017.
Nas páginas seguintes, propomo-nos a contribuir para o estudo do tipo legal de crime de burla relativa a trabalho ou emprego, que se encontra consagrado no artigo 222.º do Código Penal.
Trata-se, efetivamente, de um tipo legal de crime pouco estudado entre nós, quer na doutrina, quer na jurisprudência, pois as únicas referências que lhe são feitas reconduzem-se a parcos comentários ao Código Penal e são muito poucas decisões dos Tribunais que convocam a aplicação do mesmo aos concretos casos submetidos à sua apreciação.
Curiosamente, num dos poucos acórdãos que encontrámos com referência a este tipo legal de crime – o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 27 de novembro de 2013, relatado pelo Juiz Desembargador Augusto Lourenço, Proc. 322/04.1TAMLG.P1, disponível em www.dgsi.pt – sustenta-se o entendimento de que com a sua criação o legislador penal quis dar resposta a anseios sociais e a políticas criminais que não passam de pura demagogia e alimentam sobreposições normativas, razão pela qual a burla relativa a trabalho ou não emprego não deveria existir.
Assim, depois de conhecermos os trabalhos preparatórios e compreendermos as razões que estiveram na base da consagração deste tipo legal de crime no Código Penal, procuraremos refletir acerca da pertinência da sua manutenção no Código Penal, escalpelizando o referido tipo legal de crime e buscando pontos de contacto e de divergência com outros tipos legais de crime previstos, quer no Direito Penal Primário, quer no Direito Penal Secundário.
De facto, quanto ao Direito Penal Primário, abrindo o Código Penal na sua Parte Especial e percorrendo os vários tipos legais de crime previstos no Capítulo III “Crimes contra o património em geral”, integrado no Título II “Dos crimes contra o património”, no confronto entre o tipo legal de crime de burla (artigo 217.º do Código Penal) e o tipo legal de crime de burla relativa a trabalho ou emprego, não passa despercebida – nem ao intérprete mais distraído – a semelhança entre os referidos tipos legais de crime.